quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Última sessão


Dias atrás tomei conhecimento de uma notícia que mexeu com minha memória afetiva cinematográfica. Acusei o golpe. No dia 29 de janeiro foram fechadas as portas do Cinema Marrocos em Lages, Santa Catarina. Para muitos isto pode não significar nada. Mas para quem freqüentou aquela sala por muitos anos a perda sentimental é enorme. A história já é conhecida de todos, mas não deixa de ser dolorosa. Os chamados cinemas de rua (ou de calçada) são coisa do passado. Foram tragados por um misto de especulação imobiliária, mudança de hábitos da população, aliado à questões práticas de segurança, acesso e comodidade que as salas de shopping oferecem. Mas não há como negar que há uma sensação de perda. Uma sala de cinema não se resume apenas a um prédio comercial destinado a explorar o negócio de “exibir filmes”. Do nosso ponto de vista, como espectadores, uma sala de cinema é o espaço lúdico do sonho e da magia. Para os freqüentadores uma sala de cinema é uma entidade com a qual nos relacionamos e criamos laços de afetividade e de comunhão. Esta era a magia dos cinemas de rua. Era o nosso cinema. O cinema que ficava perto de casa, que a gente freqüentava sem cerimônia, sem nos preocuparmos em procurar vaga para estacionar o carro, ou pagar o ticket de estacionamento na saída da sessão. Estas salas, tão generosas com nosso imaginário, invadiam nosso dia a dia. Os filmes chegavam até as calçadas. Tal uma vitrine de loja, que exibe seus produtos aos olhos dos passantes distraídos, as salas exibiam cartazes e fotos na nossa cara. Os filmes se tornavam mais próximos e presentes. Hoje estão em locais cujo acesso depende de escadas rolantes, escondidos atrás das bomboniéres de pipocas combo. Assim era o Cinema Marrocos, uma majestosa sala de 1.012 lugares inaugurada em 1967, reconhecida em seu tempo como a mais requintada do sul do país. Após mais de 40 anos de operação, entregou os pontos. Naquelas poltronas passei horas e horas de minhas férias escolares de inverno e verão, quando deixava Porto Alegre e passava semanas na casa de meus avós em Lages. A programação incluía dois ou três títulos diferentes por semana. Era o paraíso para um cinéfilo. Filmes não assistidos em Porto Alegre eram recuperados no Marrocos durante as férias. Isto sem falar na concorridíssima sessão de domingo, sempre às 19h30. Um acontecimento social obrigatório que reunia tanto interessados em ver os filmes quanto interessados apenas em ver e ser visto. Era a sessão dos namorados, dos quase-namorados e dos futuros namorados. Puxando pela memória ainda lembro o último filme que assisti nesta sala, em 1998. Foi Titanic.Tentarei evitar comparações do grande navio que naufraga com a imensa sala que sucumbe, mas fica difícil ao se constatar que a última sessão do velho cinema contou com apenas sete espectadores. E, acreditem, o último filme foi Sete Vidas. Deixo aqui apenas meu sincero e emocionado “Adeus Marrocos”.

Um comentário:

  1. Pois é, eu também não me corformo com o fato de o Marrocos ter se tornado apenas uma lembrança.
    Sete pessoas na despedida de algo que foi um marco para gerações é uma coisa que me deixa mais triste ainda.
    Fazer oque né!!???
    Espero que pelo menos o espaço seja preservado pelos orgãos publicos e que seja voltado para artes, não custa nada sonhar.

    obs: eu estava nessa sessão do TITANIC junto com o blogueiro que escreveu este belo texto.

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