segunda-feira, 16 de março de 2009

Uma fábula chamada "Inferno no Pacífico"


Revi recentemente, depois de muitos anos (décadas diria) Inferno no Pacífico (Hell in the Pacific) dirigido por John Boorman em 1968. Caso minha memória não me traia, registro este como um dos primeiros filmes “adultos” e “sérios” que assisti no cinema, na virada dos anos 60 para os 70. Sim, porque antes dele foram apenas desenhos (algum Disney qualquer), classificado como “não-adulto”, ou comédias, os “não-sérios”. Lembro com bastante clareza do impacto que suas imagens provocaram na minha cabeça. Foi uma experiência e tanto. Sem saber ao certo as razões objetivas, aquele filme deixou a nítida sensação de dizer mais do que era visto pelos olhos de uma criança. Percebi na época, sem saber expressar, que havia algo além do que objetivamente assisti na tela. Não entendia na plenitude. Mas senti o impacto da imagem e o poder da mensagem.

Meu reencontro com Inferno no Pacífico foi em DVD, numa sofrível cópia desbotada com um som que deixou a desejar. A exuberância das cores e texturas da floresta asiática e o ruído hiper-realista das primeiras gotas de chuva tropical caindo sobre a vegetação só existem na memória. O DVD não supriu as expectativas. Mas, principal de tudo, a relevância e o valor do filme de John Boorman estão lá. Intactos e bem atuais. Inferno no Pacífico não é um filme de livre trânsito nas locadoras, nem tem merecido exibições na TV, seja aberta ou paga. Portanto, suponho, não seja exatamente do conhecimento das novas gerações. O que, aliás, lamento.

Para quem está chegando agora. Inferno no Pacífico narra com um primor de concisão a incrível batalha que dois náufragos travam entre si em uma ilha deserta em algum ponto do Pacífico em plena Segunda Guerra Mundial. Um deles é oficial da marinha japonesa (Toshiro Mifune). O outro é fuzileiro do exército norte-americano (Lee Marvin). Por definição eles são inimigos desde o primeiro instante em que se encontram. Estão em lados diferentes de uma guerra que corre solta no continente e nos mares da região, e sem vacilar um instante sequer, a transferem para aquele microcosmo isolado. Num primeiro instante, acima da sobrevivência, lutam pela vitória. O outro é o inimigo a ser eliminado. Aos poucos, porém, acabam se dando conta que seus destinos estão cruzados. A necessidade da união se sobrepõe ao orgulho de subjugar o inimigo. Por contingências tornam-se aliados, não sem antes passarem pelos estágios da aceitação e da tolerância, antes de chegarem à inevitabilidade da cooperação para suplantar obstáculos. Ao invés de desejarem, por instinto, a morte (do outro), buscam, pela razão, a vida (com o outro). Econômico nos diálogos, marcados pela mútua incompreenssão da língua, John Boorman imprimiu ritmo à narrativa por conta da perfeita dinâmica da dualidade imposta pelos dois personagens-símbolos. Muito disto se deve ao desempenho visceral de Mifune e Marvin, que se entregam com sangue e suor a um realismo vigoroso. O filme é antibelicista sim. Mas vai além, e fala também da condição humana e seus primordiais impulsos atávicos.

Inferno no Pacífico é uma fábula bela e amarga, repleta de simbologias. Não revelaremos o final para não estragar o prazer estético e sensorial daqueles que desconhecem o longa. A filmografia do diretor Boorman mostra uma carreira bastante irregular marcada por altos e baixos extremos. Pontos altos: além de Inferno no Pacífico, Amargo Pesadelo (1972), Excalibur (1981) e Esperança e Glória (1987). Pontos baixos: Zardoz (1974) e O Exorcista II – O Herege (1977), seu maior fracasso.

É provável que esteja mais presente na mente de muita gente uma versão mais recente, livremente inspirada no enredo de Inferno no Pacífico. Em 1985 Wolfgang Petersen mandou a idéia básica da trama para o espaço, literalmente e metaforicamente, na aventura de ficção científica Inimigo Meu, com Dennis Quaid e Louis Gosset Jr. como dois astronautas (um deles réptil alienígena) abatidos em plena guerra espacial e obrigados a pousar em um planeta desolado. Um conselho: fique com o original e (re)descubra uma jóia do cinema.

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